Quem nunca teve curiosidade e leu o resultado de exames antes de levá-los para avaliação médica que atire a primeira pedra.

Sentir essa curiosidade é normal, porém, é importante tomar cuidado para não acabar preocupado devido a uma interpretação equivocada.

Para entender algumas minúcias frequentemente relacionadas a erros na leitura de resultados de exames, sobretudo os laboratoriais, preparamos este conteúdo!

Resultado de exames

Muitas pessoas já deram uma espiada no resultado de um exame antes de levá-lo para a consulta e acabaram levando um susto com alguns pontos, como índices abaixo ou acima do normal.

Só na consulta médica de retorno, lhes são explicados alguns detalhes da interpretação desses resultados, muitas vezes notando que se desesperaram à toa, pois não havia nada de errado com os exames ou que seria mais adequado repetí-los sob outras condições antes de chegar a qualquer conclusão.

Apesar da interface adotada por muitas clínicas na apresentação do resultado de exames tornar a informação palatável, os resultados não são de interpretação assim tão simples.

Pode-se definir o entendimento de alguns termos que aparecem no documento como o primeiro passo na interpretação de resultados. O mais comum deles seria a definição de normal ou faixa normal.

Para obter um valor esperado para dado parâmetro são realizados estudos científicos com grandes grupos populacionais, e a partir daí, chegar a uma faixa de normalidade. São estudos custosos em relação ao tempo e aos recursos financeiros empregados, de forma que muitos desses estudos têm suas conclusões extrapoladas para populações muito diferentes daquelas do estudo original.

Dessa forma, é necessário que se entenda que a normalidade pode variar a depender do que se usa como referência.

A situação da realização de cada exame também pode distorcer a interpretação de alguns valores.

É papel do médico realizar a busca por fatores de confundimento na leitura de qualquer resultado. Em um exemplo simples, caso o paciente não tenha respeitado o tempo de jejum adequado para a realização de uma glicemia, poderá ter seu resultado alterado, na faixa acima do normal.

Há ainda aqueles exames cujos resultados variam conforme a idade, sexo, medicamentos utilizados, fase menstrual e inúmeros outros fatores individuais. O médico irá avaliar todos esses fatores, para interpretar o exame dentro de todo esse contexto e não apenas a informação isolada.

 

Exames complementares e seus resultados

medico interpretando resultado de exames

Os exames complementares compõem uma das bases do tripé de um diagnóstico – os outros pilares são a história clínica e o exame físico.

Servem para confirmar suspeitas clínicas, firmando o diagnóstico em pacientes sintomáticos ou ainda avaliar a presença de alterações e doenças com poucas manifestações clínicas em pacientes assintomáticos.

Isoladamente, entretanto, são uma andorinha que não faz verão. O resultado de exames por diversos fatores, como aqueles apresentados no tópico anterior, não são uma verdade absoluta. É necessário que sejam interpretados.

Há a possibilidade, por exemplo, do teste ser positivo em pacientes que não têm uma doença, os ditos resultados falso-positivos. Ou ainda, de ser negativo em pacientes que possuem a doença, como não portadores da mesma, os resultados falso-negativos.

 

Variáveis e características dos exames

Algumas variáveis clínicas contam com apenas 2 resultados possíveis, por exemplo: grávida/não grávida. Estas variáveis são nomeadas de forma categórica ou dicotômica.

As variáveis categóricas podem ser divididas em nominais ou ordinárias.

As variáveis nominais, como é o caso dos tipos sanguíneos, não possuem uma ordem particular. Ao passo que as variáveis ordinais, como a escala de coma de Glasgow, contam com valores distintos que são postos em uma ordem específica.

Outras variáveis clínicas, tal como os vários exames diagnósticos típicos, são contínuas e possuem inúmeros tipos de resultados, como contagem de leucócitos, glicemia, etc. Para essas variáveis é comum que se defina por meio de diretrizes, um ponto de corte para que a variável contínua seja tratada como uma variável dicotômica. Assim, uma vez definidos esses pontos de cortes, é possível ter resultados dos exames contínuos como positivos ou negativos.

Também é possível registrar todos os desfechos possíveis em uma tabela simples de 2 × 2. A partir da qual algumas das maiores características discriminatórias de teste podem ser calculadas, como:

  • A sensibilidade é a probabilidade de resultado positivo em pacientes que possuem a doença.
  • A especificidade é a probabilidade de resultado negativo em pacientes sem a doença.
  • O valor preditivo positivo (VPP) é a probabilidade de pacientes com resultado positivo no exame, de fato, possuírem a doença.
  • O valor preditivo negativo (VPN) é a probabilidade de um pacientes com resultado negativo no exame, de fato, não possuírem a doença.

 

Efeitos da definição do ponto de corte

Dentre os exames mais feitos, estão aqueles que fornecem resultados dentro de uma escala quantitativa contínua, como glicemia, contagem de hemácias e de leucócitos, entre outros. Esses resultados quantitativos de exames podem ser representados dentro de uma curva de distribuição que, não necessariamente deve ser uma curva normal.

As condições de saúde investigadas com esses exames necessitam muitas vezes de um resultado positivo ou negativo, baseado em algum critério específico ou ponto de corte. Um paciente é considerado anêmico a partir de um dado valor de hemoglobina, por exemplo.

Estes pontos de corte, na maioria dos casos, são obtidos com uso de análise estatística e conceitual buscando manter o equilíbrio entre a taxa de resultados falso-positivos e resultados falso-negativos.

Imaginemos novamente o exemplo da anemia. Usualmente são utilizados os valores de 13,5 g/dl para homens e 12,0 g/dl para mulheres como valores de corte inferior, a partir de onde se diz que o paciente está anêmico.

Se optarmos por mudar esses valores de corte para números menores, teremos um grupo maior de pessoas sendo diagnosticadas como anêmicas, pelos seus resultados de hemoglobina.

O problema é que várias delas não terão qualquer sintomatologia, ou seja, foram diagnosticadas mesmo sem a doença.

Esse maior número de resultados falso-positivos faz parte de cenários onde o teste é muito sensível, mas pouco específico. Aqui, provavelmente todos os pacientes com sintomas de anemia tiveram um exame de hemoglobina que também acusava a doença (alta sensibilidade), porém de todos os exames que acusaram anemia, vários pertenciam a pacientes sem a doença (baixa especificidade).

O cenário oposto também é verdadeiro, um aumento dos valores de corte diminuindo os resultados falso-positivos resultará em mais falso-negativos. O aumento de especificidade é acompanhado de uma diminuição (não necessariamente proporcional) da sensibilidade.

A manifestação gráfica da manipulação dos pontos de corte e a influência dessas mudanças nos resultados verdadeiro-positivos e falso-positivos (à direita) e verdadeiro-negativos e falso-negativos (à esquerda) são melhor visualizadas na imagem abaixo. 

gráfico ponto de cortes

O eixo x do gráfico divide os indivíduos com e sem a doença estudada. Pessoas portadoras da doença encontram-se acima do eixo x, enquanto aqueles que não têm uma doença, estão localizados abaixo desse eixo inferior.

Dentre aqueles com a doença (acima do eixo x), a área do gráfico sob a linha de distribuição dos resultados e à direita do ponto de corte (eixo y) representa os exames verdadeiro-positivos. Já a área à esquerda do ponto de corte, representa os resultados falso-negativos.

Dentre os pacientes sem a doença (abaixo do eixo x), a área à direita do ponto de corte representa os resultados falso-positivos e a área à esquerda os testes verdadeiro-negativos.

 

Curvas de características operacionais do receptor (ROC)

curva roc

O gráfico que representa os resultados verdadeiro-positivos versus a fração de resultados falso-positivos, para uma série de pontos de corte, gera uma curva que é chamada de curva ROC.

A curva ROC representa como um gráfico a solução de compromisso entre a sensibilidade e a especificidade ao fazer alguns ajustes do ponto de corte. Os resultados positivos verdadeiros são do eixo Y, e os resultados falso-positivos do eixo X.

Quanto maior for a área sob a curva da curva ROC, maior será a acurácia do exame, isto é, melhor o exame irá discriminar as pessoas com e sem a doença.

Sendo assim, as curvas ROC possibilitam comparar os exames em uma série de pontos de corte. Por exemplo, o exame A é superior ao exame B em diversos pontos.

As curvas ROC também são úteis para selecionar o ponto de corte para aumentar a utilidade do exame. Caso o exame tenha sido feito para confirmar uma doença, seleciona-se um ponto de corte que tenha maior especificidade e menor sensibilidade. Ao passo que, se o exame tiver sido feito para rastrear uma doença oculta, seleciona-se um ponto de corte com maior sensibilidade e menor especificidade.

 

Conclusão

A interpretação dos resultados de exames está permeada de minúcias que muitas vezes nem imaginamos! Os conceitos de estatística envolvidos não são assim tão simples.

Assim, devemos sempre ter em mente que apesar de apresentações gráficas elegantes fornecidas pelas clínicas, os resultados dos exames devem ser interpretados por profissionais dentro do contexto de cada paciente. A interpretação por leigos pode gerar preocupação desnecessária, sendo ideal aguardar antes de tirar conclusões precipitadas.